Todo meu prazer

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Eu saí cedo da casa dos meus pais, transei com vários caras durante a faculdade, discuti gênero com meus colegas, militei em setores de mulheres em movimentos sociais, fiz trabalho de base falando sobre liberdade pra mulheres que eu considerava menos libertas do que eu. E, dentro, eu não conseguia conversar com as minhas companheiras, as mesmas amigas que discutiam esses direitos e liberdades sexuais comigo, sobre a minha dificuldade em gozar. Entre amigas, a gente criava as mentiras que contávamos pra nós mesmas: toda sexta, dia de boate na faculdade, era noite de encher a cara e ficar com um cara diferente – desse jeito, nessa ordem. E transar com vários caras era tão libertário que eu não me permitia questionar porque eu tinha tanta necessidade de provar pra mim mesma que eu era tão livre. E a real é que eu sentia uma tremenda necessidade de ter alguém pra ficar, a real é que eu não sabia bem ficar sozinha, tranquila comigo ou com o que pudesse rolar. E quando rolava, eu não sentia nenhum prazer de verdade. Os caras podiam ser indiferentes, insensíveis, transar por dez minutos: dentro, eu precisava de qualquer coisa pra acreditar que sentia prazer. E, no fundo, ali sozinha com o cara, eu sentia que era eu que precisava agradar pra que qualquer coisa rolasse. Quando eu sentia prazer, quando eu gozava, minha sensação é de que o outro tinha me feito um grande favor. Então, uau! Acabava de surgir o cara que me tinha me dado muito prazer! Aí eu ficava afim. [….]

Eu podia fazer várias coisas, eu tinha muitas histórias pra contar, mas, por dentro, eu estava reduzida a pouca coisa do que eu era. Eu não tinha nenhum poder para dizer não, nenhum respeito pelo que eu realmente sentia, pelo que eu era, pelo que eu tinha vontade ou não de querer e de fazer: como é que eu ia saber o que é prazer?

É claro que eu tive encontros legais, que eu me apaixonei, que coisas boas rolaram no meio do caminho. Mas eu não tinha estrutura no meu corpo pra ir mais fundo. Meu encontro com o prazer veio quando me encontrei com meu corpo outra vez. Quando comecei a terapia bioenergética, fui experimentando sensações que eu sequer conhecia e que estavam aqui dentro, trancadas. E foi quando entrei em contato com isso que eu fui me conhecendo sem me mentir: vi como meu corpo era mole, como eu tinha repressões, medos que tentava disfarçar na cabeça – mas só tentava. No fundo disso tudo, também tinha muita raiva, muita vitalidade, muita vontade, muita tesão, muita alegria, muita inocência com minha sexualidade. Aos poucos, eu fui sentindo e reconhecendo essas sensações dentro de mim – e quanto mais eu me conectei com elas, eu me abri para viver e bancar o que eu realmente era afim na minha vida. Centrada no que eu sou, no que eu quero, no que gosto ou não de fazer, eu fui me permitindo me soltar mais comigo. Eu fui descobrindo a aprendendo a respeitar cada lugar do meu corpo que me dá prazer, ficando incomodada com o que eu não curto, perdendo o medo de não conhecer e me abrindo para o que eu não tinha vivido. Dizendo não para o que eu não quero, dizendo sim para o que sou afim. Eu comecei a experimentar uma liberdade que eu não conhecia no sexo: liberdade de dizer o que eu gosto e quero, de trocar com o outro, de soltar a cabeça, os meus julgamentos, a caretice que eu escondia de mim mesma prater direito a meu prazer. Com vontade, com dúvidas, com medo, mas tudo de verdade, tudo o que eu era e não o que eu queria ser. Fora daquele manual, quanto mais fui me experimentando e me permitindo, mais fui descobrindo minha capacidade de sentir prazer. De repente, eu comecei a ter sensações no meu corpo que a minha cabeça não dava – e ainda não dá – conta de entender: essas sensações de que as pernas e os braços somem, de que a gente vira uma onda, que tudo mais se derreteu. Eu redescobri meus sons, minha respiração, cada espaço da minha pele. Fui desbloqueando meu corpo na terapia, conhecendo esses movimentos no sexo e, a cada passo, era como se eu tivesse um pouco mais de mim – e me abrisse de verdade para o outro. Meu corpo foi sentindo mais prazer no sexo e se mostrando mais vibrante na vida. Foi num momento lindo da minha vida, quando me sentia relaxada com as pessoas, com minha sexualidade e com o meu prazer que eu comecei a viver uma história bonita, que me abriu caminho pra ir mais longe. De coração aberto, sentir prazer é um caminho pra te conectar contigo mesma, com a tua inocência, com o teu deleite, com a tua energia viva. Com teu poder. Com a tua paixão. Eu descobri meu gosto em receber, dar, sentir prazer comigo, com o outro. É um processo, é contínuo, eu ainda tenho um tanto de neuroses e inseguranças pra deixar de lado e muito, muito mais o que sentir, saber, trocar… e quanto mais eu me permito viver e experimentar, mais descubro meu potencial pra viver prazer. E que isso é minha vida – tudo que posso me permitir, tudo que posso ser. Eu comecei a confiar no meu corpo, a aceitar tudo que ele tem e me dá. Hoje, eu tenho referências tremendas do que me faz vibrar por dentro… e só de pensar que ainda é pouco, queainda tenho muito pra viver, a pele arrepia, corre um frio na barriga com a mesma vontade de ir fundo. Eu descobri que transar pode me fazer vibrar por muito tempo, cair no choro, dar gargalhadas de êxtase, dar vontade de gritar loucuras, perder a noção das horas, de sentir que meu corpo é uma festa, como aquelas sensações que a gente tem quando se apaixona, mas depois aceita que passou. Quando eu senti prazer comigo, eu me apaixonei por mim mesma – e escolhi viver todos os dias.

Prem Subali

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